Pólens ajudam a desvendar homicídios
Mafalda Faria já tem no seu currículo de investigadora alguns casos que envolveram homicídios. Isto desde que está, há dois anos, como bolseira de pós-doutoramento em palinologia forense, no Instituto de Nacional de Medicina Legal e no Departamento de Botânica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Mafalda Faria é a única palinóloga forense portuguesa e uma dos quatro com esta actividade CSI a nível mundial.
"Não foram dezenas de homicídios", diz, "mas já são alguns". Nesses casos, o procedimento da palinóloga, que faz a aplicação do estudo dos pólens à ciência forense, é sempre o mesmo. Vai ao local onde a vítima foi encontrada e, nessa altura precisa, não é o corpo o objecto do seu trabalho. Isso virá depois, já na sala de autópsias. No local onde aparentemente foi cometido o crime, Mafalda Faria tem de focar a atenção no ambiente vegetal e no solo. Identifica as árvores e as plantas na zona e recolhe o máximo possível de amostras do solo, das flores e das folhas de plantas que ali existem.
Mais tarde, quando o corpo já está na sala de autópsias, a investigadora procede a outra recolha metódica. Retira amostras das cavidades nasais da vítima, dos seus cabelos e do vestuário. Com todos esses materiais, vai para o laboratório e inicia então um trabalho minucioso de identificação dos pólens e dos esporos (células reprodutoras de algumas plantas) existentes nas amostras, e compara resultados.
Com todos esses dados, Mafalda Faria consegue perceber várias coisas que serão fundamentais para a investigação e o apuramento do crime. Por exemplo, se o corpo foi encontrado no local onde foi cometido o homicídio, ou se houve remoção do cadáver. Se isso aconteceu, ela consegue reconstituir o percurso. E se houver suspeitos, Mafalda Faria também pode entrar em acção, recolhendo amostras do vestuário e dos sapatos, também para fazer comparações e determinar se aquele suspeito pode ser ligado ao local do crime.
"Há sempre pólen em todas as amostras, o pólen está em todo o lado", explica a investigadora. "Há sempre material para poder trabalhar".
Mas os homicídios não são os únicos crimes que Mafalda Faria tem ajudado a investigar desde 2007. O contrabando de objectos ou a identificação da origem de droga apreendida tem sido outra das suas actividades CSI nestes dois últimos anos. Um caso em 2008, por exemplo, teve a ver com a identificação da origem de duas amostras de cannabis. A investigadora faz este tipo de trabalho com a polícia científica, ao abrigo de um protocolo de colaboração.
"Num dos casos consegui determinar que a planta tinha sido cultivada no interior de uma habitação". No outro ela conseguiu apontar a região de proveniência. "Quase de certeza que foi cultivada na região de Beja", diz ela com um sorriso na voz. Mas qual é o grau de certeza que a palinologia pode dar?
"Tem que haver pelo menos 80 por cento de coincidência entre o pólen que é característico de um determinado local e o que é encontrado no cabelo de uma vítima, para se poder dizer, por exemplo, que aquele é o local onde ocorreu o crime", explica a investigadora.
A par desta actividade forense, com a qual "contribui para que seja feita justiça", como ela própria afirma, Mafalda Faria desenvolve também um trabalho de pesquisa com vista a apurar as tecnologias da própria palinologia.
"Estou a tentar melhorar as técnicas de extracção de pólen das amostras, para conseguir retirar delas maiores quantidades", explica a investigadora. Num caso de investigação forense, quanto mais pólen se consegue obter a partir de uma amostra, mais fácil se torna fazer as análises necessárias para constituir as situações e estabelecer um quadro de acontecimentos.
in, Diário de Notícias